a desilusão que constrói
Winnicott, um dos grandes psicanalistas infantil, deixou-nos o termo "mãe suficientemente boa" que é um termo que nos permite não só aproximar da realidade de cada mãe e, com isso, aliviar a culpa que parece que, muitas vezes, uma mãe acarta; como nos aproximar das reais necessidades do bebé.
ora, um bebé precisa inicialmente de se sentir num contínuo com quem o cuida. precisa de rapidamente se tranquilizar perante os desconfortos que vive repentinamente e que o angustiam. e esta tranquilidade surge então da disponibilidade e da quase adaptação total a este bebé, numa sintonia comovente que traz proximidade física (onde estudos continuam a mostrar como o movimento e o pele-a-pele acalmam o bebé, como partilha o artigo do The Guardian) mas também emocional e fisiológica (com um bombardeamento de hormonas que conectam).
à medida que o bebé vai crescendo, intuitivamente vai havendo uma nova adaptação e um reajuste na dinâmica relacional na díade, na qual inevitavelmente a mãe deixa de se ajustar completamente a este bebé, permitindo momentos de frustração, de desilusão. não são momentos fabricados, mas momentos naturais que surgem quando a mãe também se permite a direcionar o seu desejo para outros objetos, sejam eles um companheiro, um outro filho, o trabalho ou para si própria - todos eles importantes. muitas vezes é aqui que entra os processos de culpa!
o nosso corpo está preparado para proteger e cuidar das nossas crias. as nossas hormonas tendem a criar uma ligação, uma necessidade tal de permanente relação com o bebé, que se torna muito difícil quando a realidade se impõe e este namoro é perturbado - quer seja porque não podemos mais não trabalhar, porque temos os outros filhos que (literalmente!) gritam pela nossa atenção, ou porque temos saudades de poder ter 30 minutos a sós com a nossa cara-metade. é importante respeitar os tempos de cada um - de cada mãe e de cada bebé - e isso implica ajustas expetativas e acalmar o coração
momentos em que a não prontidão cria frustração no nosso bebé©, que desilude e dói, permitem o desenvolvimento da criatividade para dar contorno a esta ausência angustiante - mas que não desampara, porque é reparada com a manutenção da sintonia. e, desta criatividade, surge muitas vezes os objetos transacionais que veem ajudar a fazer esta transição presença/ausência, frustração/tranquilidade.
assim, uma mãe suficientemente boa é aquela que vive a sintonia e envolvência com o seu bebé, que permitiu que ele continuasse a sentir que ainda estava dentro dela, para que continuasse a desenvolver-se de forma tranquila. é aquela que criou uma sintonia tal que acompanha o seu crescimento e a sua crescente capacidade para lidar com a separação , com a frustração, mas que também se respeita a si e ao seu tempo.
bibliografia: Objetos transicionais e fenómenos transicionais, em Brincar e a Realidade por D. Winnicott