enquanto o problema está fora
o debate em torno dos telemóveis e dos ecrãs tem vindo a amplificar-se. talvez tenhamos finalmente aceite que as tecnologias vieram para ficar e vão fazer parte da nossa vida e do desenvolvimento das nossas crianças. por isso, discute-se as idades ideais para apresentar, horários e tempos para assistir e todo o tipo de recomendações para guiar os pais e os educadores no manejo destes aparelhos que são tratados como sendo o demónio em terra. mantemos um discurso de tal forma demonizador que talvez não nos consigamos aperceber do movimento que fazemos: trazemos a culpa para fora, para o aparelho, para as aplicações, para os jogos e para os vídeos de dez segundos; ou então para estas gerações que estão avariadas e não sabem mais o que é viver.
recentemente li um livro (A geração ansiosa por Jonthan Haidt) que explora os contornos sociais dos aparelhos eletrónicos na vida dos adolescentes e as razões para o seu impacto no desenvolvimento mental. sem dúvida que, quando pensamos num fenómeno como este, não podemos perder de vista o quão multifactorial é, especialmente quando tem impactos grandes na vida social da sociedade.
o autor enquanto nos traz a sua análise social do tema, considera que a infância de outrora é invariavelmente diferente da de agora. ao invés da nossa infância centrada no brincar, as crianças vivem agora com uma infância centrada no telefone uma experiência centrada nos ecrãs. ao invés de uma experiência verdadeiramente experiencial, em todos os sentidos, vivem experiências deficientes em aspetos relacionados com a corporeidade e com a sincronia. tudo isto é importante de pensar e de relacionar, mas creio que continuamos a ver o fenómeno pela metade.
quando mantemos o olhar no lado de fora, nas características dos ecrãs e da forma como contaminam as nossas crianças e as deixam instáveis e ficamos presos no discurso catastrofizante, lavamos as nossas mãos da responsabilidade que, enquanto adulto, temos perante as nossas crianças. mais, quando o nosso olhar se foca somente no que está fora, andamos a correr atrás do prejuízo e as soluções que encontramos ficam igualmente no lado de fora. falamos das consequências e dos malefícios, assustamos os pais como quem avisa nas notícias que vai haver uma operação stop nas principais estradas de Portugal. procuramos recomendações, estabelecemos regras e limites que policiem as famílias e crianças.
o que será que acontece se olharmos para dentro? quando saímos do social, do macro e entramos no mesossistema das famílias? o que acontece se fizermos o exercício contrário e olharmos para dentro de nós e para o porquê de as nossas crianças sentirem que precisam destes aparelhos? ou para a facilidade com que nós, adultos, cedemos e lhes damos estes ecrãs para as mãos?
(primeira de uma série de reflexões sobre o uso dos telemóveis)