hora de ir dormir
o sono é um elemento da nossa vida essencial à reparação e restauração do corpo. as perturbações do sono são dos sinais mais recorrentes de que algo se passa com o individuo. no caso das crianças, por norma, estas espelham dificuldades no cuidador, da criança e da interação entre ambos. para refletirmos sobre este tema, trago uma sugestão de um livro infantil: quando vou dormir o mundo para.
a hora de ir dormir é, inevitavelmente, um momento de separação, não só dos pais como do mundo exterior. este livro fala daquilo que imaginamos que acontece quando estamos a dormir, onde tudo parece que para, que permanece suspenso, no tempo e no espaço, até o regresso à vigília. as fantasias da criança sobre aquilo que acontece fora, enquanto ela dorme, ou a aquilo que poderá acontecer com ela própria, pode ser suficientemente angustiante para, neste momento preferencialmente solitário, surgirem angústias na fase de adormecimento que podem levar a um prolongamento desta fase ou até a pesadelos ou terrores noturnos posteriores. nesta época de pandemia, marcada particularmente por um clima geral de insegurança, é normal que possam surgir estes quadros (em pequenos e graúdos), pela reativação de questões mais primitivas que agora se tornam "mais ou menos reais".
a função parental e, especialmente materna, tem um papel muito importante no que diz respeito à hora de dormir. é graças ao sentimento de segurança interior da criança, fomentado pelos calorosos cuidados maternos, que a criança consegue aceitar a separação e abandonar-se ao sono. o sono dos bebés é particularmente sensível a quem o deita e, nos primeiros tempos a quem o adormece. a angústia das figuras parentais sobre o sono e o adormecimento da criança e dos próprios tem repercussões igualmente no estado psicológico da criança e no seu sono. quando, por exemplo, um bebé que sente quem o adormece tenso (i.e. assustado) é normal que "ateime" a não dormir, por não se sentir seguro a deixar a mãe sozinha. a imprevisibilidade, atitudes contraditórias, humores tendencialmente depressivos ou excesso de estimulação são fatores que dificultam a interiorização da segurança necessária para o bom desenvolvimento do sono da criança.
este livro infantil termina com a frase: "quando vou dormir, o mundo para, só a minha cabeça é que não!". esta ideia pode ajudar-nos a explorar aquilo que acontece dentro da criança enquanto dorme, isto é, os seus sonhos e pesadelos. a atividade continua a existir no nosso cérebro quando dormirmos. enquanto sonhamos, o nosso cérebro pega em toda a informação desarrumada na nossa cabeça e tenta dar-lhe sentido e arruma-la. o dr. eduardo sá diz inclusive, no seu novo livro quando estava na tua barriga, que "sonhar torna-nos (...) mais inteligentes e mais sábios!". os sonhos e os pesadelos são, muitas vezes, sentidos como estranhos à criança pequena. torna-se uma tarefa também ela importante, fazer a ligação entre o "eu que dorme" e o "eu acordado" e os sonhos, e a sua recapitulação, são uma ótima forma de dar continuidade a este "eu" que está em formação.
o sono tem de facto a ser cada vez mais desvalorizado na nossa cultura. os únicos que parecem continuar extremamente preocupados são os pais que fazem de tudo para afugentar o papão e para conseguirem dar aos seus filhos (e a eles!) noites de sono tranquilas. uma boa forma de aprofundar a temática dos sono é através do mais recente podcast o teu mal é sono com temáticas diferentes todos os meses.
artigo escrito para a página Flying a teapot