isolamento com um estranho
torna-se cada vez mais essencial que fiquemos todos em isolamento em casa, para bem de nós, dos nossos e da saúde pública. é por estes dias que apelamos ao cessar-fogo do egoísmo, à proliferação da união, à ação em massa para que juntos possamos dizer que #vaificartudobem. pelo meio de agachamentos profundos, bolos caseiros meio queimados e house parties cheias, passa-nos ao lado que o isolamento em casa não é uma situação confortável para todos.
esquecemo-nos de todos aqueles que nem sequer têm casa e que são obrigados a recorrer a recursos nunca antes pensados; que dependem de voluntários, para ter comida e corpo lavado, mas que também eles estão demasiado assustados para os ajudar.
esquecemo-nos daqueles que têm casa, mas que não é sua; aqueles que partilham na velhice sala com outros e que, nestes dias, apesar de rodeados por pessoas, se sentem cada vez mais sozinhos, sem os seus.
esquecemo-nos daqueles que vivem num ambiente familiar hostil, onde dias e dias em cativeiro abrem feridas que não se sabe quando poderão curar e que, a cada dia, enterram um pouco mais um coração que ainda tinha esperança.
esquecemo-nos daqueles que vivem com estranhos em casa, onde se confinam ao seu T quadrado, o espaço que lhe é devido por direito e, onde seria de esperar encontrar a comunhão, encontra-se apenas a estranheza e o vazio do silêncio à mesa.
esquecemo-nos dos que vivem sozinhos e que davam tudo para estarem na azáfama dum aglomerado de pessoas, para sentirem a esperança em cada olhar distante ou a alegria em cada gargalhada.
esquecemo-nos daqueles que não sabem viver "sem nada para fazer" que, ao entrarem em isolamento, parece que perdem uma parte de si, e entram numa espiral de decadência e depressividade que parece impossível de travar; teimam em controlar tudo ao que isolamento diz respeito, na ânsia de combaterem a falta de controle que sentem.
esquecemo-nos daqueles que negam todo o panorama com medo de que, se o admitirem em voz alta ele se torne real e aí, imaginam o pânico e o desamparo a bater-lhes à porta, ficando eles sozinhos, como estranhos na própria casa, sem ninguém que os possa ajudar.
em estado de emergência, apelamos nas ruas ao altruísmo (sem compaixão) e escolhemos fechar os olhos a todas estas (grandes) minorias e simplesmente destacamos nas notícias como a população está, brilhantemente, a cumprir as ordens - tudo por um bem comum, onde outros pormenores agora não importam! não há governos perfeitos, nem soluções perfeitas para todos, isso é sabido! mas pelo menos dediquemos alguns momentos a refletir e sentir alguma compaixão por todos e os demais.