ollhando para dentro do adulto

31-10-2024

se nos atrevemos a olhar para fora das crianças mas para dentro de nós, adultos, podemos pensar sobre a nossa necessidade crescente de apresentar estes aparelhos às nossas crianças - e isso sabemos que poderá ser demasiado intenso e agitar demasiado as águas da nossa estabilidade mental, inundar-nos de culpa… mas se queremos verdadeiramente pensar neste tema, temos de olhar de frente para o espelho primeiro.

as demandas dos pais do século XXI são muitas, estou ciente disso. o mundo do trabalho, com a sua cultura da produtividade e da eficácia, exige cada vez mais de nós e nós, comprometidos com ele, ainda acreditamos que conseguimos dar 100% em todas as frentes. rapidamente (se quisermos) percebemos que a matemática não dá certo assim. talvez não querendo falhar em nenhuma frente, falhamos connosco próprios. as nossas frustrações aumentam, a nossa desilusão também, a zanga invade-nos e talvez acabemos a exigir mais dos outros para conseguirmos chegar a todo o lado.

mais, o mundo da parentalidade também é muito exigente. as crianças parecem mudar a cada minuto e, com elas, levam as antigas estratégias e exigem de nós mais criatividade e adaptação. no mesmo sentido os livros, as redes sociais e as pessoas à nossa volta estão cheias de opiniões e de exigências. queremos ser os melhores pais, queremos dar o nosso melhor e carregamos a culpa de tudo aquilo que nos fazem achar que fazemos mal - talvez até com este próprio texto - e vamo-nos esticando, stressando e angustiando.

ora, tentando equilibrar todas as bolas no ar, a paciência diminui, a irritabilidade aumenta e a disponibilidade para com as nossas crianças vai-se evaporando. talvez os telemóveis surjam, então, como a bóia salvadora que nos mantém à tona, que nos permite encher os nossos pulmões de oxigénio e respirar fundo, ficar no nosso próprio vazio ou limpar a nossa mente de todo e qualquer ruído. talvez dar os telemóveis às nossas crianças seja uma forma de criar o espaço que precisamos para respirar e retomar a nós próprios, um espaço de não relação para simplesmente estarmos.

será que significa que não podemos ter estes momentos? momentos em que nos desligamos do mundo e entramos na nossa bolha interna? claro que podemos. a questão é porque achamos que as nossas crianças não vão conseguir estar sós enquanto nós navegamos na lua? ou será que achamos que é assim que vamos ter um momento mais tranquilo, sem birras ou quaisquer exigências, porque também elas ficam longe delas próprias nos ecrãs? olhemos para dentro de nós e pensemos nas nossas motivações... 


este é o terceiro texto de uma série de reflexões sobre o uso dos ecrãs. lê o texto anterior aqui:

talvez seja o enquanto que faz as nossas crianças pegar nos ecrãs

o que será que acontece se olharmos para dentro das nossas crianças pequenas e tentarmos perceber o que está a falhar na realidade para o virtual ser tão aliciante? claro que todos os aspetos que tornam estes dispositivos viciantes e atraentes pertencem ao domínio do real, mas não será aquilo que o acontece dentro das nossas crianças que as leva a pegar nestes aparelhos, tão ou mais importante do que criar limites que as policiam?

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marcia arnaud | psicóloga clínica | 2024 | Todos os direitos reservados
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